Desconstruir a história através de… uma música!

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Francisca Gomes

O regime do Estado Novo, instaurado por António de Oliveira Salazar em 1933, era um regime autoritário, antidemocrático e marcado pelo controlo absoluto do governo sobre a sociedade. A censura limitava qualquer expressão contrária ao regime e a PIDE – a temida polícia política – perseguia, prendia e torturava opositores.


A propaganda oficial promovia valores conservadores sob o lema “Deus, Pátria, Família”, enquanto a Mocidade Portuguesa doutrinava os jovens para garantir a continuidade da ideologia salazarista. Ao mesmo tempo, Portugal insistia na manutenção do colonialismo, mergulhando-se em guerras em África que consumiam recursos e vidas.
A economia, controlada pelo Estado, mantinha o país preso ao atraso, com altos índices de analfabetismo e pobreza, enquanto a elite beneficiava de um sistema que explorava a força de trabalho sem oferecer condições dignas à maioria da população.
Em 1963, José Afonso, conhecido como “Zeca” Afonso, lançou a música “Os Vampiros”, utilizando-a como forma de protesto, escondendo várias metáforas nos seus versos. Nela denuncia a época obscura marcada pela exploração e opressão, o Estado Novo. “Zeca”, encontrou na música uma forma de resistência, usando a figura dos vampiros para simbolizar a elite que sugava a riqueza e o trabalho do povo português.
A letra da canção constrói uma atmosfera obscura e opressiva desde o primeiro verso. O “céu cinzento” e o “astro mudo” que refletem um país mergulhado no medo e na repressão, enquanto os vampiros, silenciosos e astutos, representam aqueles que governavam, acumulando riqueza à custa da miséria da população.
De seguida, na terceira estrofe, o músico menciona o “chão do medo” que pode simbolizar a violência e a brutalidade do regime onde “tombam os vencidos”, referindo-se aos oprimidos, incapazes de resistir, que se deixam levar pelo medo. Reforça também a ideia da repressão do regime com os seguintes versos “Ouço o seu sangue correr pela estrada\ Vejo os vampiros sugando as vidas” intensificando a brutalidade da exploração, sugerindo a destruição de vidas pela opressão e pela pobreza. Aqui, os “vampiros” não apenas exploram recursos materiais, mas também a dignidade e a esperança do povo.

Por último, o refrão, repetido ao longo da música – “eles comem tudo e não deixam nada” – evidencia a ganância da elite do Estado Novo, um sistema que concentrava o poder e os recursos nas mãos de poucos, deixando o povo a viver com o pouco que lhes restava.

Mesmo sem mencionar diretamente António de Oliveira Salazar ou o Estado Novo, “Os Vampiros” foi rapidamente reconhecida como uma crítica feroz ao regime. A PIDE passou a vigiar de perto “Zeca” Afonso, que teve suas apresentações censuradas e foi preso diversas vezes. Ainda assim, a sua música espalhou-se, tornando-se um símbolo de luta contra a ditadura.

A ditadura caiu, mas a mensagem permanece atual: sempre que uma elite governa em benefício próprio, deixando o povo sem recursos ou voz, os “vampiros” continuam à espreita.

Francisca Gomes, 11.º E4