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Dom Bosco e o valor da gratidão na comunidade educativa

João Ensina

[…] o carisma salesiano nasce de um movimento original de gratuidade e, consequentemente, de gratidão. O Sistema Preventivo, estruturado na razão, na religião e na amorevolezza, encontra nesse reconhecimento agradecido o seu espírito vital. Educar com “carinho que se faz sentir” é possível porque se olha cada jovem como um presente, como alguém cuja vida merece ser acolhida, acompanhada e promovida. A gratidão não é apenas uma disposição afetiva; torna-se um critério pedagógico que molda a relação educativa e gera confiança, familiaridade e alegria.

A reflexão sobre o valor da gratidão na tradição salesiana exige regressar às origens do Oratório de Valdocco, onde Dom Bosco concebeu o seu modo de educar como resposta agradecida aos dons que Deus colocava no seu caminho. As Memórias do Oratório revelam um ambiente profundamente marcado pela consciência de que cada jovem, cada colaborador e cada acontecimento constituíam sinais concretos da Providência. O encontro inicial com Bartolomeu Garelli, em 1841, tornou-se emblemático desta lógica: Dom Bosco não se limita a acolher, mas reconhece naquele jovem um dom que transforma o seu próprio ministério. Assim, o carisma salesiano nasce de um movimento original de gratuidade e, consequentemente, de gratidão. O Sistema Preventivo, estruturado na razão, na religião e na amorevolezza, encontra nesse reconhecimento agradecido o seu espírito vital. Educar com “carinho que se faz sentir” é possível porque se olha cada jovem como um presente, como alguém cuja vida merece ser acolhida, acompanhada e promovida. A gratidão não é apenas uma disposição afetiva; torna-se um critério pedagógico que molda a relação educativa e gera confiança, familiaridade e alegria.

Quando observamos a implantação dos Salesianos em Lisboa, percebemos que esta mesma lógica carismática foi o seu fundamento silencioso. A presença salesiana na capital portuguesa nasceu com recursos escassos e numerosas incertezas, mas sempre apoiada numa rede de apoios gratuitos: famílias que abrem portas, benfeitores que acreditam no projeto, leigos que se associam à missão e jovens que reconhecem na casa salesiana um espaço de crescimento. A história das primeiras décadas é inseparável de uma cultura de gratidão que permitiu consolidar uma comunidade educativa viva, dinâmica e profundamente marcada pelo espírito de família. Os progressos realizados na escola, na pastoral, nas iniciativas culturais e associativas só se compreendem a partir deste sentido de pertença e reconhecimento mútuo. A gratidão torna-se memória institucional, força que sustenta a continuidade da missão e modo de ler o caminho percorrido. A obra de Lisboa é, nesse sentido, herdeira direta de Valdocco: também aqui a missão cresceu porque a gratuidade gerou comunhão e a comunhão gerou forças para prosseguir.

Esta mesma herança encontra uma expressão contemporânea na Proposta Educativa da Escola Salesiana, documento orientador para todas as nossas escolas em Portugal. Nesta proposta, a gratidão não aparece como elemento periférico, mas como categoria transversal que estrutura a visão antropológica, o ambiente educativo, os processos pedagógicos e a identidade espiritual da escola. A antropologia cristã que o documento assume considera cada jovem como dom, alguém que deve ser encontrado na sua realidade concreta e acompanhado com uma personalização exigente que reconhece ritmos, potencialidades e limites. A escola salesiana é apresentada como “casa que acolhe”, “paróquia que evangeliza”, “escola que prepara para a vida” e “pátio onde amigos se encontram”, modelos que expressam uma gratidão institucionalizada pela vida, pelas relações e pelos dons que cada membro da comunidade traz consigo. O pátio salesiano, físico ou digital, é valorizado como espaço de encontro espontâneo, onde a presença educativa é expressão de reconhecimento do valor do outro. A comunidade educativa-pastoral, enquanto rede de corresponsabilidade entre educadores, famílias e alunos, vive-se como estrutura geradora de reconhecimento mútuo e partilha de missão. Também a dimensão vocacional — horizonte último da proposta — se enraíza num dinamismo de gratidão: ao reconhecer os dons recebidos, o jovem descobre para quem é chamado a viver, e a sua vida torna-se resposta agradecida ao amor de Deus.

Assim, tanto nas origens de Valdocco, como na história salesiana de Lisboa e na proposta educativa atual, a gratidão surge como paradigma educativo profundamente humanizador. Num tempo marcado pela pressão performativa, pela comparação e pela lógica do mérito, a gratidão propõe um olhar alternativo, capaz de valorizar a pessoa antes do desempenho, a relação antes do resultado e a comunidade antes do individualismo. Educar para a gratidão significa educar para uma ética do dom, da reciprocidade, da cooperação e da esperança. A gratidão torna possível uma escola onde a alegria não é superficial, mas nasce do reconhecimento do bem presente na vida quotidiana.

Em síntese, a gratidão constitui uma chave decisiva para compreender o carisma salesiano da sua origem até hoje. Ela tece continuidade entre o Oratório de Dom Bosco, a presença salesiana de Lisboa e o modelo educativo atual vivido nas escolas salesianas portuguesas. Reconhecer o bem, agradecer o dom e transformar essa gratidão em serviço é a dinâmica que permite às comunidades educativas salesianas cumprir a sua missão de formar jovens “honestos cidadãos e bons cristãos”, capazes de contribuir para uma sociedade mais humana, justa e fraterna.

Diác. João Ensina, SDB