1911-1912 – A ambiência após a implantação da república à luz do Boletim Salesiano

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Linhas convergentes

Por Frederico Pimenta

Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal.

1911-1912 – A ambiência após a implantação da república à luz do Boletim Salesiano

No Boletim Salesiano de novembro de 1910, endereçado “Aos cooperadores e amigos das obras salesianas em Portugal”, anota-se: “Já são conhecidos os acontecimentos de Portugal. Não conhecemos ainda qual será a sorte dos Salesianos e a dos seus orphãosinhos.

Nesta perplexidade e ancioso momento pedimos a nossos amados Cooperadores e amigos das obras salesianas que em suas orações implorem por todos os que seguem o caminho do exilio, e em particular por todos os Salesianos e alumnos; que a Virgem Immaculada, padroeira das terras portuguezas, alcance dias de paz e prosperidade á gloriosa nação”. (1) Estamos, portanto, no final da primeira década do século XX. Seguiram-se momentos de violência, incompreensões e angústias: “As forças que defendiam a Monarquia foram vencidas após alguns combates, nos quais houve cerca de umas sete dezenas de mortos”. (2)  Muitas medidas foram aplicadas e outras exaltadas, sendo, neste caso concreto, a extinção e expulsão das ordens religiosas. 

Todo o trabalho desenvolvido pelos Salesianos, em território português, desde o final do século XIX, ficou açudado. Não ficaram sucumbidos os Salesianos e, logo após o golpe militar, procuraram reabrir as Oficinas de S. José, no entanto “A malograda tentativa de reabertura das Oficinas de S. José em 1912 fez ver aos salesianos que era mais prudente dar tempo ao evoluir da situação política, na esperança de vir a ser atenuada a hostilidade do novo regime à Igreja e às suas instituições”. (3)

Propomos aqui, apenas, uma leitura do período dos dois anos subsequentes a 1910, relativamente às notícias específicas do ambiente português então publicadas no Boletim Salesiano, constituindo, desta forma, uma subvenção para o elenco deste período histórico, no contexto da obra salesiana, em espaço luso. Numerosas movimentações sucederam-se para repor em funcionamento estas Oficinas de S. José de Lisboa. O diálogo, a incompreensão e a diplomacia estiveram ativos durante praticamente uma década. É na presença corajosa do Pe. José Maria Coelho, a qual não pode ser esquecida, que encontramos, nestes momentos cronológicos, o zelador magnífico das estruturas materiais e humanas das Oficinas de S. José.

Lobriguemos, tanto quanto possível, o ano de 1911.

O Pe. Paulo Albera, Reitor, como se apresenta na sua comunicação do mês de janeiro, recorda o falecimento do Pe. Miguel Rua, no ano anterior, evidenciando as suas caraterísticas de ser excecional e as memórias das celebrações e momentos vivenciados em diferentes países. Igualmente como memória, relembra a realização do Congresso dos Cooperadores e Cooperadoras do Chile e a III Exposição das Escolas Profissionais e Colónias Agrícolas Salesianas. Como referência aos territórios portugueses, realça uma violenta tempestade: “No mez de março, um cyclone abatia uma grande parte do edificio de Moçambique e destruía por completo os fructos das primeiras fadigas na proxima missão de Moccelia”. (4) Testemunhou, por último, o início da viagem de 120 missionários para diferentes partes do mundo. Alude, finalmente, ao território de Macau, que abordaremos mais à frente. Curioso será, no contexto do ambiente em Portugal nessa cronologia histórica, relembrar o pensamento de D. Rua, salientando um dos objetivos para o ano de 1911: “Nós devemos, antes que tudo, manter as obras já existentes”. (5)

Proveniente dos Açores, concretamente da ilha Terceira, surge sob o título geral de Festas de Maria Auxiliadora a notícia deste momento festivo no Orfanato João Baptista Machado, na cidade de Angra do Heroísmo. (6) Além da descrição da preparação da festa e da própria realização com pormenores da ornamentação e dos momentos musicais, anotamos os nomes, entre outros, do Pe. António Fortuna e do Monsenhor António Maria Ferreira, figura importante na música sacra, nesta circunstância em Angra do Heroísmo, pois “Será durante a governação da diocese pelo Cónego Ferreira que a ideia da Schola Cantorum tomará forma.” (7) Recordamos que a data de 1903 marca o início da tomada de responsabilidade deste orfanato por parte dos Salesianos e as dificuldades sentidas durante sete anos para o desenvolvimento do trabalho naquela ilha açoriana.  Nesta presença salesiana, a revolução republicana sentenciou o final de uma assistência que já se encontrava titubeante.

A morte da viúva de D. Luís I de Portugal mereceu relevo no Boletim Salesiano. Outros nomes surgem nesta publicação e nas demais, ao longo dos anos, sobressaindo esta nomeação real pela ligação intrínseca com Portugal, tal como acontecerá mais adiante neste texto, a propósito do ano seguinte. O papel desempenhado pela Rainha D. Maria Pia de Saboia no desenvolvimento da obra salesiana no território luso, ademais conhecido, mereceu linhas aurificadas na publicação de setembro de 1911. (8)

Verifiquemos, na continuação deste olhar, o ano de 1912.

À semelhança do ano anterior e como habitualmente no Boletim Salesiano, introduziu-se a carta anual de Paulo Albera, Reitor Maior dos Salesianos. Nela, dá-se nótula da importância dos Oratórios Festivos, tudo devendo ser feito para “actuar o desenvolvimento e a frequencia dos Oratorios Festivos. O Oratorio Festivo é a Obra Salesiana por excelencia, e por isso é que deveria ser empenho nosso o desenvolvel-os por toda a parte”. (9) 

No Boletim Salesiano de junho de 1912, encontramos a transcrição de uma carta enviada pelo Pe. Luiz Versiglia a D. Albera sobre o percurso até à missão de Heung-Shan, em território chinês. A carta, datada de 13 de dezembro de 1911, aborda, nas linhas iniciais, o território de Macau: “A nossa obra em Macau, pequena sim, mas que já nos custava tantos sacrifícios, a primeira Obra Salesiana na China, (…) foi, como de todos é sabido, destruída num abrir e fechar d’olhos”. Recordamos, igualmente neste caso, que a aceitação do Orfanato da Imaculada Conceição aconteceu em 1906. Entretanto, a situação em Portugal desembocou no Regicídio e na revolução republicana. As repercussões deste último facto são testemunhadas pelo Pe. Versiglia: “quando estalaram as alterações políticas em Portugal, começou para nós uma era de dolorosa perplexidade; (…) por desgraça um troço de insurrectos e desordeiros impoz a sua vontade (…)”. A descrição do encerramento da Obra em Macau é profundamente emotiva bem como a viagem para Hong-Kong, a caminho da missão de Heung-Shan. Como conclusão, anotemos ainda a exposição do Pe. Versiglia: “e no dia 27 de Novembro de 1910 á noite recebíamos ordem para naquela mesma noite nos prepararmos para abandonar Macau, entregando os órfãos e retirando-nos para Hong-Kong”. No balanço do ano de 1912, o Pe. Paulo Albera referiu-se a este assunto, afirmando que “Finalmente, graças ao zêlo de S. E. Ver.ma Mons. João Paulino de Azevedo, reabrimos na cidade de Macau, na China, o antigo Orphanato da Imaculada, continuando tambem com a Missão do amplo Districto de Heung-Shan, que promette e já dá fructos consoladores”. (10)

Como nos anos anteriores e nas publicações coevas, igualmente em 1912, publicaram-se notícias do falecimento de personalidades concernentes à obra salesiana em Portugal. No caso aqui abordado, do falecimento do 6.º Marquês de Pombal, António de Carvalho Melo e Daun de Albuquerque e Lorena, em 25 de novembro de 1911, vislumbram-se nuances tocantes ao período político coetâneo. Este cooperador e leitor do Boletim Salesiano é recordado da seguinte forma: “É mais uma columna que falta a este já tão desmoronado edifício que é a sociedade portugueza, minada até aos alicerces pela clerofobia, pela corrupção, pela gangrena das mais nojentas aberrações moraes”. (11)     

Retirado das “Novas postillas ao Decreto da S. Congregação dos Ritos para a introducção da Causa de D. Bosco”, redação iniciada no número de janeiro desse ano de 1912, apresenta-se o desenvolvimento constatado até então no mundo salesiano: Inglaterra e Colonias, Chili, Império Austro-Hungaro, Equador e Missões entre os Jivaros, Suissa e Alemanha, Colombia, Belgica, Turquia e Egypto, Perú e Bolivia, Mexico, Portugal e Colonias, Venezuela e Antilhas, Estados Unidos da America do Norte, America Central. No que concerne ao território português, elencou-se:

“Em outubro de 1910 os Salesianos dirigiam 9 casas em Portugal e Colonias: Lisboa: Officinas de S. José (1896); idem, Collegio do Sagrado Coração (1897); Braga: Collegio dos Orphãos (1894); Porto: Real Officina de S. José (1909); Angra do Heroismo: Orphanato B. João Baptista Machado (1903); Vianna do Castello: Offina de S. José (1904); em Moçambique, na Africa Oriental e na cidade homonyma, a Escola de Artes e Officios (1907); e a incipiente missão de Mochelia (1910); Macau-China (1906)”. (12)

Na riqueza que envolveu cada número do Boletim Salesiano destes dois anos, contrasta a aridez da informação proveniente de Portugal. Poucas referências lusas se encontram, excetuando alguns agradecimentos enviados de diferentes partes do país, por graças recebidas e publicadas, de forma avulsa, pelos seus autores.

À semelhança do vivido em Portugal, na preocupação que se manteve igualmente perene no período do início do século XX, deu-se à estampa, sob o título “Entre os filhos do povo”, uma notícia simples que abrange todo o conteúdo da força salesiana no acolhimento aos desabrigados. Por questões políticas, grupos de crianças foram expulsas da Turquia e de imediato o Reitor Maior, Pe. Albera, abriu as portas das casas salesianas de Itália aos rapazes e das Filhas de Maria Auxiliadora às raparigas, para lhes dar o conforto e segurança que ansiavam. (13)

  • Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno IX, Vol. III – N. 11, Novembro, 1910.
  • Garcia, José Manuel, História de Portugal – uma visão global, Editoria Presença. Lisboa, 1981.
  • Anjos, Amador, Oficinas de S. José, os Salesianos em Lisboa, Lisboa, 1999.
  • Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno X, Vol. IV – N. 1, Janeiro, 1911.
  • Ibidem.
  • Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno X, Vol. IV – N. 9, Setembro, 1911.
  • Henriques, Luís C. F., “Ensinar Segundo o Modelo do Motu Proprio de Pio X: A Schola Cantorum Estabelecida na Sé de Angra do Heroísmo”, in Revista Portuguesa de Educação Artística.
  • Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno X, Vol. IV – N. 9, Setembro, 1911.
  • Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno XI, Vol. IV – N. 1, Janeiro, 1912.
  •  Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno XII, Vol. V – N. I, Janeiro, 1913.
  • Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno XI, Vol. IV – N. 6, Junho, 1912.
  •  Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno XI, Vol. IV – N. 8, Agosto, 1912.

  Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno XI, Vol. IV – N.