O que nos dizem os livros…

> Seara > O que nos dizem os livros…

Vasco Sommer Ribeiro

A obra O jogador foi magistralmente urdida por Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski e publicada em 1867.

Esta representa um exemplar de excelsa intensidade psicológica, entrelaçando aspetos como a paixão, o vício, e o desespero. No que diz respeito ao romance em si, este passa-se na cidade fictícia de Roletemburgo (Roulettenburg), pintada por um ambiente de tavolagem, onde é narrada a jornada de Aleksei Ivánovitch, um jovem precetor que exerce a sua função num hotel ao serviço da família de um general, sendo Aleksei caracteristicamente apático no que toca aos seus objetivos de vida. O enredo desenvolve‑se ao redor deste ambiente, em especial à volta da decadência progressiva da saúde financeira da família devido ao vício no jogo, e em torno das relações ambíguas e complexas mantidas por Aleksei ao longo da obra, nomeadamente a relação amor-ódio que travava com Polina, enteada do general falido, que lhe pedia que jogasse na roleta por ela, devido à urgência da entrada de valores monetários (tamanha era a dívida do general com os franceses), chegando a hipotecar todas as suas propriedades e depositando a sua esperança na morte da sua avó.

Em primeiro lugar, um dos aspetos mais aparatosos desta obra reside na mestria com que o autor transpõe a mente dos personagens, patenteando os seus tormentos mais íntimos de forma crua e intensa. No caso particular de Aleksei, este aparenta ser uma personagem oscilante, cambaleando entre o orgulho e a humilhação, o desejo e o desespero e a autodestruição e a esperança vã. Com isto, Dostoiévski cria um protagonista que, apesar das suas fragilidades, prende o leitor, arrastando-o para dentro do seu delírio. A escrita vertiginosa e intensa que acompanha a espiral descendente do protagonista complementa-o e torna cada aposta lançada na roleta não só num indício de vício, como também num ato de desespero existencial. Adicionalmente, o facto de o responsável por ter engendrado esta obra já ter conhecido também a sua degradação pelo jogo faz com que este mostre nas entrelinhas uma autenticidade sentimental, tornando a leitura deveras envolvente, mas, ao mesmo tempo, emocionalmente sufocante.

Em segundo lugar, outro aspeto digno de louvor é a forma exímia como Dostóievski pinta um retrato implacável da sociedade da sua época, em que a aristocracia, nomeadamente a russa, se encontrava decadente, presa num jogo de aparências, iludida com fortunas improváveis e favores voláteis. Assim, o autor desvenda com tremenda habilidade, usufruindo da ironia e da mordacidade, os esquemas manipuladores dos personagens que orbitam em torno da mesa de jogo, revelando a sua hipocrisía e escassez moral. O próprio ambiente de Roletemburgo complementa estes aspetos, com os seus hóteis de luxo e deslumbrantes salões de jogo, e serve como metáfora para a efemeridade dos desejos humanos, onde tudo se pode ganhar e perder num pequeno instante. Seguidamente, esta mesma crítica social não se limita apenas à sua época, revelando intemporalidade, ecoando na sociedade contemporânea, em que a ânsia pela riqueza rápida continua a arrastar muita gente para o abismo.

Concluindo, a obra O Jogador da autoria de Dostoievski é um romance profundamente psicológico e inquietante do príncipio ao fim, em que o protagonista se revela um personagem intrigante e se tecem fortes críticas intemporais à sociedade da época. Este livro é, então, uma obra de arte em termos literários, demonstrando uma grande capacidade de amarrar o leitor do início ao fim.

Vasco Sommer Ribeiro, 11.º H2