O que nos dizem os livros…

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Clara Maia

Pessoas normais, originalmente publicado em 2018 e depois em 2019 pela editora Relógio d’ Água, é um romance escrito por Sally Rooney, uma autora irlandesa nascida em 1991, que estudou Inglês na Trinity College em Dublin, onde a sua escrita começou a ser conhecida. O livro acompanha a história de Connel e Marianne, dois adolescentes que vivem numa pequena cidade irlandesa e que vêm de meios sociais distintos: a mãe de Connel trabalha como empregada doméstica em casa de Marianne, e, embora ele a ignore na escola por receio da sua reputação, os dois desenvolvem uma ligação profunda e complexa, ao longo dos anos. Além disso, esta obra aborda temas como a solidão, em particular a que Connel experiencia na faculdade, as dinâmicas das relações interpessoais e as expectativas sociais.

Primeiramente, algo de notar nesta obra é, certamente, o impacto que a atitude do irmão de Marianne (Alan), tem na maneira como esta se relacionará com homens no futuro. Por exemplo, certo Natal, Alan agarra Marianne pelo braço e cospe-lhe no rosto, pois sentiu-se incomodado por esta falar dos resultados que teve nos exames finais. Consequentemente, mais à frente no livro, quando Marianne namora com um homem chamado Lukas, um fotografo, é visível a esta relativamente a comportamentos mais violentos do namorado. Assim, esta obra retrata de um modo profundamente perspicaz a maneira como a infância tem uma grande influência na vida adulta. Com efeito, as crianças não têm ferramentas emocionais para lidar com o que estão a viver, causando a recriação de padrões disfuncionais de relacionamento que refletem dinâmicas traumáticas do passado.

De seguida, é de destacar a maneira como o tratamento que Marianne dá a Connel contrasta com aquele que recebe dele. De facto, no liceu, o Connel insistia em manter a relação deles em segredo, pois, como Marianne era vista como excêntrica pelos seus amigos, receava que esta amizade o tornasse alvo de gozo, perdendo, assim, o “estatuto” que construíra ao longo do tempo, algo que deixava Marianne frustrada. No entanto, quando entram para a faculdade, Marianne conhece pessoas novas, acabando por ficar mais integrada, e faz um esforço para ajudar Connel a adaptar-se e para lhe arranjar novas amizades, ao notar que este enfrentava dificuldades nesta nova fase. Deste modo, este livro representa excelentemente a falta de reciprocidade nas relações amorosas, de amizade ou até mesmo familiares. Na verdade, é frequente ver-se um dos elementos a esforçar-se mais e a dar mais de si emocionalmente, e a não receber a mesma consideração de volta, algo que, muitas vezes, leva ao desgaste emocional, por causa desta desvalorização.

Concluindo, o facto de Marianne aceitar ser maltratada nas suas relações adultas, devido ao tratamento que recebia do seu irmão quando era mais nova, é uma maneira impressionante de retratar o impacto que os traumas da infância têm nas relações adultas. Adicionalmente, a discrepância entre o cuidado que Marianne dá a Connel e o que ela recebe dele, especialmente quando estavam no liceu, é uma fantástica representação da ausência da reciprocidade nas relações interpessoais.

Clara Maia, 10.º E3