Afonso Vale Francisco Gomes
No âmbito da disciplina de Português e, mais especificamente, do estudo da obra Memorial do Convento, de José Saramago, as turmas de 12.º ano tiveram a oportunidade de realizar uma visita de estudo a Mafra no passado dia 21 de maio. Para além da visita guiada ao Palácio Nacional de Mafra, os alunos assistiram a uma representação teatral baseada no romance do nosso Prémio Nobel da Literatura
A visita ao Convento de Mafra constituiu uma experiência verdadeiramente marcante e enriquecedora, tanto do ponto de vista cultural como literário. Este monumento nacional, cuja construção foi ordenada por D. João V no século XVIII, não é apenas uma impressionante obra de arquitetura barroca e neoclássica, é também um símbolo de poder, fé e sacrifício, elementos profundamente explorados na obra Memorial do Convento, de José Saramago.
De facto, ao entrar no convento, é impossível não sentir a imponência do espaço: a grandiosa basílica, a lendária biblioteca com os seus milhares de volumes antigos e o silêncio solene dos corredores fazem-nos recuar no tempo. Apesar de termos tido acesso a apenas uma parte limitada do palácio — com várias zonas interditas ao público — os espaços visitados foram, ainda assim, de grande valor. Proporcionaram-nos uma imersão física e sensorial num local que, para além de monumento histórico, é também cenário literário. Cada sala, cada degrau e cada parede contribuem para dar corpo ao ambiente retratado por Saramago no seu romance, em que a pedra e o suor dos trabalhadores assumem um protagonismo quase invisível, mas fundamental.
Por conseguinte, a leitura da obra do Prémio Nobel português ganha uma nova dimensão quando confrontada com a realidade palpável do convento. Saramago, com a sua escrita peculiar e profunda, não nos oferece apenas uma narrativa ficcional, mas também uma poderosa crítica social e política. No romance, a construção do convento surge como consequência do voto do rei, mas, mais do que isso, como um instrumento de vaidade e ostentação do poder real, obtido à custa do sofrimento do povo. Esta crítica é tanto mais evidente quando, ao visitar o edifício, se tem consciência da sua escala monumental e do esforço humano que terá exigido.
Posteriormente, assistimos à representação teatral baseada no romance Memorial do Convento, o que completou de forma significativa esta experiência literária e cultural. A peça trouxe para o palco figuras centrais como Baltasar Sete-Sóis, Blimunda Sete-Luas e o padre Bartolomeu de Gusmão, transportando os espectadores para o universo saramaguiano com sensibilidade e criatividade. A encenação foi, no geral, bastante bem conseguida: as interpretações foram envolventes, a cenografia bem pensada e a atmosfera fiel ao espírito do livro.
Contudo, importa referir que, apesar da qualidade do espetáculo, houve algumas lacunas notórias na adaptação. Foram omitidas partes da narrativa que consideramos essenciais, nomeadamente o episódio do transporte da gigantesca pedra destinada ao convento — um dos momentos mais simbólicos e emocionalmente fortes da obra. Esta passagem representa não só a carga física imposta aos trabalhadores, mas também o peso das decisões de um poder distante e autoritário, tornando-se numa imagem viva do esforço humano e do absurdo de certas vontades régias. A ausência desta cena deixou a peça, em parte, incompleta para quem conhece bem o romance e reconhece nela um dos seus momentos mais emblemáticos.
Apesar destas omissões, a peça conseguiu transmitir a essência da mensagem de Saramago: a resistência silenciosa dos humildes, a busca da liberdade interior e o poder transformador do amor e da esperança. Aliás, a relação entre Baltasar e Blimunda, com a sua cumplicidade silenciosa e o dom misterioso de ver o interior das almas, permanece como um dos elementos mais belos e comoventes da obra — e foi bem representada em palco.
Em suma, esta experiência, que conjugou a visita ao convento com a adaptação teatral, permitiu-nos aprofundar a nossa compreensão do romance Memorial do Convento. Ao cruzar a ficção com o espaço real, a leitura torna-se mais viva, mais próxima e mais crítica. Ficamos com a certeza de que a literatura, o património e o teatro, quando se encontram, têm um poder educativo e transformador que perdura muito para além do momento da visita ou da representação.
Afonso Vale Francisco Gomes, 12.º T3